segunda-feira, 3 de julho de 2017

Pedro e a Francesinha*


Pedro de Aguiar chegara à cidade e a primeira notícia que recebera foi a respeito do bilhete de Sofia; ele passara alguns dias na estância, em razão do excesso de trabalho que lá havia. Leu-o, largou-o e, de imediato, saiu, a pé, na direção do Hotel do Branco. A antiga Rua General Osório nunca lhe parecera tão longa: Pedro morava próximo ao Velho Sobrado, a duas quadras do Arroio e a duas quadras da Matriz. Chegando ao hotel, o rapaz silenciou ao ser informado de que Sofia deixara o estabelecimento há pouco mais de uma hora. Ele saiu à porta e, vagarosamente, caminhou na direção de casa. Pedro era um homem de uma família de boas condições, porém um sujeito muito simples em seu modo de ser. Seu cabelo era escuro e bem curto, ombros largos e pele um pouco queimada do sol, olhos escuros, porém dotados de certa ingenuidade, às vezes deixava crescer a barba, falava pouco e, muito raramente, sorria: ele era muito sério. Recentemente, havia machucado o pé direito, o que fazia com que caminhasse um pouco mais devagar e ligeiramente entortasse o pé ao pisar no chão. Ia Pedro pela rua quando se deparou com Seu Alvim Caminhão, que há pouco praguejara para uns rapazes que passaram curtindo-o a buzinadas. Seu Alvim fitou-o: “Pedro, como estás, meu rapaz! Fazia dias que não te via!” “De fato, Seu Alvim, estava para fora, muito serviço na estância.” “Vejo que estás com semblante entristecido. Que houve?” “Soube tardiamente que uma moça por quem tenho apreço esteve na cidade à minha procura. Agora, ela se foi para longe e nunca mais a verei.” “A moça de que falas é Sofia, a francesinha? Ela partiu não faz muito tempo, ajudei-a com as malas. Se fores rápido, consegues alcançá-la antes de embarcar no trem”. “É ela mesma, Seu Alvim, mas acho que não há mais tempo, penso que a perdi.” “Meu jovem, jamais desistas daquilo que mais queres e que te faz feliz. Se existe uma oportunidade de vocês ficarem juntos, abraça-a com toda a tua vontade. Corre atrás dela! Agora!” E assim Pedro o fez: chegou à casa, montou em seu cavalo e partiu, afoito, rumo à Ayrosa Galvão. 


O bar da Estação Ayrosa situava-se à direita de quem desce do trem: era uma peça pequena, com uma mesinha de madeira e duas cadeiras, além de um balcão com dois bancos mais à frente, todos na cor mogno. Sofia estava sentada em um dos bancos junto ao balcão e havia pedido um café ao atendente, enquanto aguardava a chegada do trem. Havia sempre um leve cheiro de café no ambiente, que se acentuava em especial naquela hora, que era a de seu fazimento. O moço trouxe um copo de café a Sofia – naquela época, na estação, o café era servido em copos de vidro incolor, trabalhados apenas nas bordas –, que gentilmente o agradeceu. Ela sorveu, angustiada, um gole do café; não queria partir e deixar Pedro para trás. A decisão tomada partia-lhe o peito, mas seguia firme: era preciso. Eis que de longe se escutava o apito do trem quando Sofia avistou um homem a cavalo vindo pela estrada. À medida em que se aproximava, maior sua certeza de que era Pedro o homem montado ao cavalo. Ele chegou à Estação e foi na direção de Sofia que, surpresa, ficou sem reação. Os dois se miraram e os olhares trocados disseram mais que as palavras. Um beijo selou o compromisso que, a partir de então, seria eterno. Pedro pegou as malas de Sofia, amarrou-as junto à cela de seu cavalo, os dois montaram e partiram, rumo ao Arroio Grande – e à felicidade... 

*Uma Ficção de Elizandro Rodrigues. Crônica publicada originalmente na Coluna dos Defensores do Patrimônio Histórico e Cultural de Arroio Grande, Jornal Correio do Sul, em 30.06.2017. Origem das imagens: Internet.