quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A Representação do Nu no Renascimento

Olá! A pedido de uma leitora de nosso blog, trago, aqui, uma coletânea de fotos, procurando representar os expoentes na pintura/escultura renascentista, precursores na arte de desnudamento artístico. Há de se levar em conta que estes artistas promoveram uma guinada subjetiva na arte e na forma como as pessoas começaram a encarar tanto a arte como a sociedade. Daí atribui-se o nome "Renascimento" a esse período das Belas Artes, não somente pelo resgate da cultura greco-romana, mas também pelo fato de haver uma "renascença" do inconsciente e das atitudes das pessoas.

"Venus Adormecida" (Vênus de Dresden), Giorgione, 1510. O primeiro nu feminino deitado como tema artístico foi deste veneziano, um pintor renascentista sobre o qual pouco se sabe.
O nu teve, especialmente desde o Renascimento, um marcado sentido iconográfico, pois, talvez por pudor, o artista buscou frequentemente uma desculpa temática para poder representar nus, outorgando-lhes um significado geralmente relacionado à mitologia greco-romana e, às vezes, com a religião. Até o século XIX praticamente não há nus “ao natural”, despojados de tudo simbolismo, nus que somente reflitam a esteticidade intrínseca do corpo humano. As fontes iconográficas para estas representações encontram-se nos textos dos autores clássicos greco-romanos (Homero, Tito Lívio, Ovídio), para a mitologia, e na Bíblia (Antigo e Novo Testamento) para a religião. Muitos artistas estavam em dia das diversas temáticas mitológicas ou religiosas, assim como da obra de outros autores, por meio de gravuras e xilografias que circulavam por toda Europa, sobretudo desde o século XVI — poucos eram os artistas realmente eruditos e que podiam extrair informação diretamente das fontes clássicas, como Rubens, que sabia latim e vários idiomas europeus —. Com o tempo, foi forjado um corpus iconográfico que recolhia os principais mitos, lendas, passagens sagrados e relatos históricos, com obras como A lenda dourada de Jacopo da Varazze (século XIII), sobre vidas dos santos e de Jesus Cristo e a Virgem, ou a genealogia dos deuses pagãos de Boccacio (1360-1370), sobre mitologia grega e romana.

"Davi", de Michelangelo (1501-1504). Segundo alguns críticos de arte, esta escultura é considerada o único nu masculino perfeito. Ele representa, principalmente na região das mãos e dos pés, toda a rusticidade do homem. A estátua encontra-se em exposição permanente na Galleria dell'Accademmia, em Florença (Itália).
"Venus", por Eugène-Emmanuel Amaury-Duval.
Segundo conta a lenda, Vênus, deusa do amor, nasceu dos genitais do deus Urano, cortados pelo seu filho Crono e depois arrojados ao mar: “quando Cronos acabou de cortar os genitais com o aço, lançou-os imediatamente às águas agitadas. O membro deste poderoso deus ficou aboiando e no seu redor surgiu uma espuma branca e resplandecente da qual nasceu uma garota” (Hesíodo, Teogonia. p. 188-202 apud Rinck, 2009, p. 334).

"Cárites". Rafael Sanzio, 1504.
Na mitologia grega, as Cárites ou Graças (Gratiae em latim) eram as deusas do encanto, a beleza, a natureza, a criatividade humana e a fertilidade. Eram três irmãs: Aglaia (Beleza), Eufrosina (Júbilo) e Talia (Festividade). Moravam no Olimpo e, junto às musas, faziam parte do séquito de Apolo.

"Paris", por Anton Raphael Mengs. Ermitage, São Petersburgo (1754)
Paris era o filho menor do rei de Troia e foi eleito para dirimir a disputa entre as deusas Atena, Hera e Afrodite, enfrentadas sobre qual das três era a mais bela. Paris escolheu Afrodite, e a sua recompensa foi o amor de Helena, esposa do rei de Esparta, cujo rapto provocou a Guerra de Troia. Entre os autores clássicos que trataram este tema se encontram Homero (Ilíada) e Ovídio (As metamorfoses).

"Leda", por Leonardo Da Vinci. Galeria Borgese, Roma, 1504-1506.
"Leda". Esculpida em mármore por Auguste Clésinger. Museu da Picardia, 1864.
Leda era uma princesa etólia que foi seduzida por Zeus em forma de cisne, engendrando aos gemeus Castor e Pólux, e a Helena, cujo rapto por Paris iniciou a Guerra de Troia.

Espero que tenham gostado do post. Para quem quiser saber mais sobre as esculturas do Renascimento italiano, clique aqui. Caso queira obter maiores informações a respeito do Nu Artístico nas Belas Artes, clique aqui. Um abraço a todos!!!

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Um Pouco de Poesia Africana: "Coração", de Francisco José Tenreiro

Caminhos trilhados na Europa
de coração em África.
Saudades longas de palmeiras vermelhas verdes amarelas
tons fortes da paleta cubista
que o sol sensual pintou na paisagem;
saudade sentida de coração em África

ao atravessar estes campos do trigo sem bocas
das ruas sem alegria com casas cariadas
pela metralha míope da Europa e da América
da Europa trilhada por mim negro de coração em África.
De coração em África na simples leitura dominical
dos períodos cantando na voz ainda escaldante da tinta
e com as dedadas de miséria dos ardinas das cities
                                     [boulevards e baixa da Europa
trilhada por mim Negro e por ti ardina
cantando dizia eu em sua voz de letras as melancolias do
                                    [orçamento que não equilibra
do Benfica venceu Sporting ou não
ou antes ou talvez seja que desta vez vai haver guerra
para que nasçam flores roxas de paz
com fitas de veludo e caixões de pinho;
oh as longas páginas do jornal do mundo
são folhas enegrecidas de macabro clue
com mourarias de facas e guernicas de toureiros.
Em três linhas (sentidas saudades de África) –
Mac Gee cidadão da América e da democracia
Mac Gee cidadão Negro e da negritude
Mac Gee cidadão Negro da América e do Mundo Negro
Mac Gee fulminado pelo coração endurecido feito cadei-
                                                           [ra eléctrica
(do cadáver queimado de Mac Gee do seu coração em 
                                               [África e sempre vivo
floriram flores vermelhas flores vermelhas flores vermelhas
e também azuis e também verdes e também amarelas
na gama policroma da verdade do Negro
na inocência de Mac Gee) – ;
três linhas no jornal como falso cartão de pêsames.
Caminhos trilhados na Europa
de coração em África.
De coração em África com o grito seiva bruta dos poemas
                                                            [de Guillén
de coração em África com a impetuosidade viril de I tôo
                                                         [am América
de coração em áfrica com as árvores renascidas em
                     [todas estações nos belos poemas de Diop
de coração em África nos rios antigos que o Negro
                   [conheceu e no mistério do Chaka-Senghor
de coração em África contigo amigo Joaquim quando em
                                               [versos incendiários
cantaste a África distante do Congo da minha saudade do
                                      [Congo de coração em África
de Coração em África ao meio-dia do dia de coração em
                                                                  [África
com o Sol sentado nas delícias do zênite
reduzindo a pontos as sombras dos Negros.
Amodorrando no próprio calor da reverberação os mos-
                                   [quitos da nocturna picadela.
De coração em África em noites de vigília escutando o
                                               [olho mágico do rádio
e a rouquidão sentimento das inarmonias de Armstrong.
De coração em África em todas as poesias gregárias ou
                                               [escolares que zombam
e zumbem sob as folhas de couve da indiferença
mas que têm a beleza das rodas de crianças com papagaios
                                                                  [garridos
e jogos de galinha branca vai até França
que cantam as volutas dos seios e das coxas das negras e
                                                                  [mulatas
de olhos rubros como carvões verdes acesos.
De coração em África trilho estas ruas nevoentas da cidade
de África no coração e um ritmo de be bop be nos lábios
enquanto que à minha volta sussura olha o preto (que
         [bom) olha um negro (óptimo) olha um mulato
                   [(tanto faz) olha um moreno (ridículo)
e procuro no horizonte cerrado da beira-mar
cheiro de maresias distantes e areias distantes
com silhuetas de coqueiros conversando baixinho à brisa
                                                                [da tarde
De coração em África na mão deste Negro enrodilhado e
                                                    [sujo de beira-cais
vendendo cautelas com a incisão do caminho da cubata
                                 [perdida na carapinha alvinitente;
de coração em África com as mãos e o pés trambolhos
                                                              [disformes
e deformados como os quadros de Portinari dos
                                                [estivadores do mar
e dos meninos ranhosos viciados pelas olheiras fundas
                                               [das fomes de Pomar
vou cogitando na pretidão do mundo que ultrapassa a
                                               [própria cor da pele
dos homens brancos amarelos negros ou às riscas
e o coração entristece à beira-mar da Europa
da Europa por mim trilhada de coração em África;
e chora fino na arritmia de um relógio cuja corda vai estalar
soluça a indignação que fez os homens escravos dos
                                                                  [homens
mulheres escravas de homens crianças escravas de
                            [homens negros escravos dos homens
e também aqueles que ninguém fala e eu Negro não
                                                           [esqueço
como os pueblos e os xavantes os esquimós os ainos eu
                                                                     [sei lá
que são tantos e todos escravos entre si.
Chora coração meu estala coração meu enternece-te meu
                                                                  [coração
de uma só vez (oh órgão feminino do homem)
de uma só vez para que possa pensar contigo em África
na esperança de que para o ano vem a monção torrencial
que alagará os campos ressequidos pela amargura da
         [metralha e adubados pela cal dos ossos de Taszlitzki
na esperança de que o Sol há-de prenhar as espigas de
                                 [Trigo para os meninos viciados
e levará milho às cabanas destelhadas do último rincão da
                                                                     [Terra
distribuíra o pão o vinho e o azeite pelos alíseos;
na esperança de que às entranhas hiantes de um menino
                                                                  [antípoda
haja sempre uma túlipa de leite ou uma vaca de queijo
                            [que lhe mitigue a sede da existência.
Deixa-me coração louco
Deixa-me acreditar no grito de esperança lançado pela
                                               [paleta viva de Rivera
E pelos oceanos de ciclones frescos das odes de Neruda;
deixa-me acreditar que do desespero másculo de Picasso
                                                        [sairão pombas
que como nuvens voarão os céus do mundo de coração 
                                                          [em África.

Francisco José Tenreiro (1921-1963) nasceu na Ilha de São Tomé, de onde partiu, ainda novo, para estudar em Lisboa. Foi professor do Instituto de Ciências Sociais e Política Ultramarina. É autor de várias obras, dentre elas Ilha do Nome Santo, "Novo Cancioneiro", Coimbra, 1942; Obra Poética de Francisco José Tenreiro, 1967; A Ilha de São Tomé-Estudo Geográfico, Lisboa, 1961

As Produções Cinematográficas Italianas da Década de 60

Olá! Fiz uma seleção de 5 filmes que marcaram o cenário italiano na década de 60 para vocês. São eles "Rocco e Seus Irmãos" (1960), "Duas Mulheres" (1960), "O Leopardo" (1963), "Teorema" (1968) e "Os Deuses Malditos" (1969).


A história de uma família que sai do interior da Itália rumo à cidade grande em busca de trabalho e condições de subsistência, bem como os conflitos entre os parentes, é tema central de "Rocco e Seus Irmãos" (Rocco I Sui Fratteli). Uma produção do renomado cineasta Luchino Visconti, pertencente à chamada estética neo-realista, possui trilha sonora assinada por Nino Rota e o roteiro é baseado em episódio do romance Il Ponte Della Ghisolfa, de Giovanne Testori. Narra a história dos irmãos Parondi: Rocco, Ciro, Luca, Simone e Vicenzo, filhos da viúva Rosaria (a atriz grega Katina Paxinou), que mudam-se da Basilicata para Milão. Simone (Renato Salvatori) torna-se boxeador e envolve-se com a prostituta Nadia (Anne Girardot). A sua carreira, inicialmente promissora, vai decaindo constantemente. Rocco (Alain Delon) se envolve com Nadia, mas permanece sempre fiel às suas origens. O relacionamento dos dois irmãos com Nadia é motivo para grandes desentendimentos entre os irmãos. Rocco acaba presenciando uma cena em que Simone estupra Nadia na sua frente, sem que ele possa fazer nada. Logo em seguida os dois partem para a violência, atirando-se a socos em meio às ruas de Milão. Rocco acaba por abandonar Nadia, que não o perdoa por não ter agido enquanto podia. Ela casa-se com Simone, mesmo a contragosto. Ele começa uma carreira no boxe, atingindo o sucesso. Passado o tempo, Rocco retorna seu relacionamento com Nadia, enquanto Simone se atira à embriaguez e à vida mundana, voltando em seguida a tentar conquistar Nádia e a colocar seu irmão em problemáticas situações. De forma muito fria, Simone termina com a vida de Nadia, matando-a a golpes de canivete.






Esta produção é de extrema importância para a cinematografia. Até os dias de hoje, é reconhecida pela forma como trata o relacionamento entre irmãos, bem como pela clareza que ela traz a realidade e contexto em que insere-se. Sem dúvida um grandioso filme.


A história de uma mulher e sua filha, as duas fugindo dos horrores da Segunda Guerra Mundial, é retratada em "Duas Mulheres" (La Ciociara), uma produção francoitaliana de Vittorio de Sicca, baseada no romance homônimo de Alberto Moravia.

 
O filme conta a história de Cesira (Sophia Loren), uma mulher viúva, dona de uma loja em Roma, e Rosseta (Eleonora Brown), a filha adolescente dela, que é muito devota do catolicismo. A história se passa durante a Segunda Guerra Mundial, quando a capital italiana estava sendo intensamente bombardeada pelos Aliados, razão pela qual Cesira decide abandonar a cidade e levar sua filha para sua regiaão de origem, Ciociaria, um lugar montanhoso localizado no centro da Itália.


Lá, Cesira chama a atenção de um jovem intelectual chamado Michele (Jean-Paul Belmondo), com quem compartilha a simpatia pelos ideais comunistas. Entretato, Michele é levado como prisioneiro por soldados alemães que esperam usá-lo como guia para se familiarizarem com o terreno montanhoso. Mais tarde, Cesira descobre que Michele foi assassinado pelos alemães.


Durante meses mãe e filha esperam pela chegada das tropas aliadas. Mas a libertação traz uma tragédia não esperada. No caminho de volta para Roma, as duas são estupradas por Goumiers (soldados aliados marroquinos) do exército francês, e a filha acaba sofrendo um colapso mental.

Sophia Loren, no set de filmagens de "La Ciociara".
Um drama profundo. Assim pode-se descrever La Ciociara. É interessante como o diretor, Vittorio de Sicca, consegue compôr com extrema magistreza o perfil psicológico das duas personagens principais. Vale a pena conferir e sensibilizar-se junto com Cesira, no momento em que ela e sua filha recobram a consciência depois de terem sido estupradas. As manifestações das personagens nos prendem o tempo todo. Vale salientar que a cena referida anterirormente ocorre dentro de uma igreja abandonada, em que as duas personagens estavam pousando, logo após uma longa caminhada. Isso sugere várias interpretações no âmbito crítico, as quais eu deixo a vocês, logo que assistirem este filme...

"O Leopardo" (Il Gattopardo) é um premiado filme do diretor italiano Luchino Visconti, baseado no romance homônimo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Estrelado por Burt Lancaster, Alain Delon e Claudia Cardinale, o filme foi o vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, no ano de seu lançamento.
 

O filme recria a atmosfera vivida nos palácios da aristocracia durante o Risorgimento - longo processo de unificação dos Estados autônomos que originaram o Reino da Itália, em 1870. O cenário político italiano é reconstituído com o intuito de interferir em dilemas dos personagens ficcionais. Trata-se de uma adaptação do romance homônimo de Giuseppe Tomasi di Lampedusa (1896-1957), publicado postumamente, que usa a queda da monarquia de Bourbon no Reino das Duas Sicílias e sua anexação ao da Alta Itália, governado pela dinastia Saboia. O personagem principal do filme, Dom Fabrizio Salina (Burt Lancaster) foi inspirado no avô do escritor, príncipe de Lampedusa.


Vale a pena assisti-lo por várias razões. Dentre elas, pela perfeita reconstituição da época, tão perfeita que o filme inicia com uma "Ave Maria" rezada em Latim, explicitando, assim, como se dá a relação entre sociedade, ideais e religião. Outro motivo que faz de "O Leopardo" imperdível é o baile, que a partir da metade do filme torna-se o cenário principal. Muito bem filmado, com várias ambientações e com um diálogo muito bem sincronizado com as cenas....


Obra do cineasta Pier Paolo Pasolini, "Teorema" é uma produção da escola do Cinema Italiano que segue por um viés diferente das demais. Simbólica e simbolista em predominância, a produção cinematográfica deste cineasta apela para a transcendência de significados e exige, de quem assiste a seus filmes, um olhar mais profundo diante da sequencia de cenas e acontecimentos que ele nos traz. Em uma frase, defino "Teorema" como a projeção da imaginação das pessoas. E como a imaginação é um terreno volúvel, assim as produções de Pasolini o são. 

A empregada da casa: manifestações e reflexões do "eu".
O filme consiste em uma série de críticas interligadas, sendo todas elas vistas através de uma família da alta classe italiana, onde um homem, visitante, desconhecido, penetra, sem dar satisfação, assim como também sai da vida e dos acontecimentos sem se importar com eles.
 
O Grito: sequencia final do filme.
Em outras palavras, o filme retrata a história de um indivíduo e a sua influência em uma família burguesa. Curiosamente cada membro da família representa uma instituição e um segmento da sociedade italiana. Através de suas personagens o filme critica a futilidade, o comodismo e a alienação da burguesia. 

Lucia: exotismo e erotismo trabalhados de forma complexa.


O Visitante: perfil e olhar enigmáticos.

A filha caçula da familia: perfil psicológico conturbado.


Atente para o título do livro do Visitante: "Elementos da Construção Civil". Será um mero título ou uma crítica à forma como, neste momento, estava se compondo a sociedade civil italiana?
 

Produção do final da década, conta com a participação de Silvana Mangano, no papel de "Lucia", a matriarca da família, Terence Stamp, no papel do visitante desconhecido e Massimo Girotti, em cena como o personagem Paolo.


Alemanha, 1933. O barão Joachim Von Essenbeck (Albrecht Schoenhals) comunica que está deixando o seu império de usinas de aço nas mãos de um desconhecido. Assim inicia "Os Deuses Malditos" (La Caduta Degli Dei), produção de Luchino Visconti, pertencendo à fase "alemã" de produções deste cineasta. Um drama que conta com a participação de Dirk Bogarde, Ingrid Thulin e Helmut Berger.  A ascensão do nazismo é analisado pela ótica de uma aristocrática família, que se digladia internamente na luta pelo poder, assassinado uns aos outros sem hesitação para alcançar seus objetivos.

Helmut Berger, em cena em uma das primeiras sequencias do filme.

Um dos momentos interessantes do filme é quando Martin Von Essenbeck (Helmut Berger) evoca O Anjo Azul, escandalizando a família, ao cantar e dançar como Marlene Dietrich no papel de Lola-Lola, uma cantora de cabaré, no filme dirigido por Josef von Sternberg em 1930. A sequência acontece logo no início, quando o patriarca da família, o barão Joachim Von Essenbeck (Albrecht Schoenhals) comunica sua saída de cena do comando do império de usinas de aço. "Os Deuses Malditos" faz parte da trilogia alemã de Luchino Visconti, ao lado de "Morte em Veneza" e de "Ludwig, a Paixão de Um Rei".


Sem dúvida, é um dos filmes mais ricos deste post. Considerado por alguns críticos como a "Ópera Antinazista, ele é a saga da família von Essenbeck, reis do aço na Alemanha, e a crônica da violência e da degradação que marcou a ascensão do nazismo. O velho barão Joachim simboliza a velha Germânia, civilizada por Bach, e governada pelo Kaiser. Quando ele morre, todos os métodos possíveis são empregados na disputa pelo poder. 

“Escuta, Martin.
– Escuta você, mãe! Não é Aschenbach quem me dá medo. Não é Frederick. É você, mãe. Você, que sempre foi o meu pesadelo. Você, com sua opressão, com teu desejo de me submeter a todo custo, em todos os sentidos. Com suas estúpidas perucas e batons. Você nunca me quis. Nunca. Sempre preferiu a ele. A ele deu tudo o que me pertence. Minha fábrica, meu dinheiro, minha casa, tijolo a tijolo. Inclusive meu nome! E o teu amor. É a pior. Por isso te odeio! Não pode imaginar as desgraças que te desejo! Te destruirei, mãe”.


O símbolo do nazismo é Martin, um jovem mentalmente desequilibrado, e o único herdeiro da fortuna Essenbeck. Manipulado por todos os lados, ele descobre o mau dentro de si. 


É um filme apaixonado e apaixonante. Fato e ficção, habilmente mesclados, se ordenam aqui num vigoroso e candente documento artístico.
Espero que tenham gostado do post! Um abraço a todos!!!

sábado, 22 de setembro de 2012

Crime e Castigo [Fiodor Dostoiévski]*


O que leva uma pessoa a cometer um crime? Pobreza, situação social, vontade, superioridade, ganância? E qual é a conseqüência desse crime? Podemos listar diversos casos onde o criminoso era um psicótico que não conseguia parar de matar ou um pai de família, tentando conseguir comida para os filhos. E as conseqüências podem ser prisão, morte, ou até liberdade sem nenhuma suspeita. Dependendo do caso, tudo ou nada pode acontecer. A reflexão sobre o que leva alguém a cometer um crime e o que acontece com essa pessoa é o que Fiodor Dostoiévski faz em um de seus mais famosos romances, Crime e Castigo.
Raskólnikov é um jovem que acabou de abandonar a faculdade de direito em São Petersburgo. Vivendo há algum tempo longe da família e com dificuldades financeiras, ele monta em sua mente um plano para conseguir dinheiro. Alióna Ivanovna, uma velha que penhora objetos de valor, é escolhida para ser sua vítima, uma mulher rabugenta que arranca dos seus clientes até o último fiozinho de ouro. Nos primeiros capítulos do romance, dividido em dois volumes na edição dos Clássicos Abril Coleções, vemos a o assassinato apenas na cabeça de Raskólnikov, com ele verificando cada passo que deve fazer e instrumentos que tem de usar para colocar em prática o seu plano.
Podemos considerar Raskólnikov um homem certo, solidário e justo. Percebe-se isso na cena em que o estudante fala com Marmeládov, o bêbado no bar, que lhe conta a desgraça de sua família. De certa forma, o jovem se sensibiliza com a história do homem, chegando a lhe deixar dinheiro para amenizar seus problemas. Mas a crítica à postura do bêbado permanece. Raskólnikov sente a escória que envolve Marmeládov ao mesmo tempo que entende a exploração à sua família para conseguir o que sacia suas vontades. Há nesse trecho uma batalha entre o certo e o errado, entre valores de Raskólnikov que se embatem antes dele cometer o crime.
O ex-estudante, inteligente e orgulhoso, decide assassinar velha, crente de que estaria fazendo um bem às pessoas que faziam negócios com ela. Mas também mata sua irmã, uma mulher boa que nunca lhe fez mal. É a reação dele a esse crime que permeia todo o resto da narrativa de Dostoiévski, mostrando sua apreensão quanto à descoberta de seu ato e como esse nervosismo agia em seu corpo e mente. Raskólnikov fica ainda mais receoso de ajuda, fechado e ranzinza, vendo o mundo de forma mais vil enquanto tenta se desligar do ocorrido, tornando-o um acontecimento sem importância. Aqui surge Razumíkin, ex-colega e amigo do protagonista que procura ajuda-lo, mas vira alvo de suas grosserias. Uma das “boas” personagens da trama que, apesar do tratamento que lhe é dispensado, não deixa de zelar pelo amigo.
É importante ressaltar a forma com que Dostoiévski narra, permeando a história com tramas paralelas, fazendo suas personagens se perderem em raciocínios que dão voltas na cabeça do leitor, mas que sempre retomam o tema principal do livro. Por meio de diálogos e transcrevendo pensamentos, o autor caracteriza as personagens, mostrando seu real caráter e conduzindo a trama com seus apontamentos. Certamente, uma forma bem cansativa de narrar que tira as forças do leitor, mas vale a pena pelo estudo aprofundado de cada personagem, servindo como crítica e reflexão do comportamento humano.
Deve-se destacar a passagem em que Raskólnikov visita Porfíri, o inspetor que investiga o caso, e a discussão entre os dois sobre a existência do ato criminoso. Ali o autor expõe a explicação moral que seu protagonista encontrou para se inocentar do assassinato, a brecha que lhe permitiu matar Alióna Ivanovna. Em todo momento, percebe-se a semelhança entre os “homens extraordinários” de um artigo de Raskólnikov, aqueles que matam e se tornam mártires, e ele mesmo. Enquanto explica sua teoria, ele se sente preso ao pensar que todos na sala sabem que ele é o assassino. Nervoso, Raskólnikov tenta se manter frio e impassível para demonstrar pouca ligação com o ocorrido. Não se tem certeza se esse medo é fruto de seus delírios e desconfianças, ou se as autoridades realmente suspeitam de sua participação no crime.
No início do segundo volume o foco sai de cima de Raskólnikov, com uma grande passagem falando da morte de Marmeládov e a relação do jovem com a família do finado. Sem falar no embate entre Raskólnikov e o noivo de sua irmã, a quem odeia e não aprova o casamento. Aí também cria-se uma intriga entre os dois e a prostituta Sónia, filha de Marmeládov, que tira dos olhos do leitor o assassinato de Alióna Ivanovna e os volta para sua família. Raskólnikov se mostra mais são, principalmente por estar em constante companhia de Sónia, com quem alivia seus temores e confidencia o crime.
Mas na cabeça do protagonista ainda há a duvida quanto ao que fez. Sua teoria do assassinato por um bem maior, uma transgressão necessária, é verdadeira ou ele deve se jogar à culpa, ver que o que fizera era, em todos os sentidos, um crime? Ele merecia ser severamente punido por isso? Dostoiévski se estende minuciosamente em todos os pensamentos das personagens, principalmente aos do jovem assassino. E também cria diversas tramas que trabalham valores e moral do homem que incrementam ainda mais a história.
Crime e Castigo é denso, demorado, e por vezes confuso por conta das voltas que Dostoiévski dá com suas tramas paralelas. São muitas personagens e diversas histórias que transportam o leitor para longe da ação principal, mas que ao mesmo tempo acrescentam mais à compreensão de quem é Raskólnikov. Ele cria uma personalidade forte e faz o leitor entender o que o ex-estudante pensa e faz. Todas as criações de Dostoiévski são ricas, seja em suas ações ou em seu psicológico, que montam uma trama onde cada pessoa tem sua importância. Não digo que a leitura é obrigatória por ela ser um clássico, mas por tratar as personagens de forma tão completa.

*Publicado originalmente no "Blog Meia Palavra". Link aqui.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Os Clássicos do Cinema Francoamericano de 40: "Casablanca" e "O Boulevard do Crime"

Compartilho com vocês dois filmes impossíveis de se deixar de lado na hora de fazer uma seleção.


O primeiro deles é Casablanca, um filme norte-americano de 1942 dirigido por Michael Curtiz. Conta um drama romântico na cidade marroquina de Casablanca, que naquele momento estava sob o controle da França de Vichy. O filme é baseado na peça "Everybody Comes To Rick's" ("Todo Mundo Vem ao Café de Rick"), de Murray Burnett e Joan Alison. Tem, em seu elenco, as estrelas Humphrey Bogart, no papel de Rick Blaine e Ingrid Bergman, como Ilsa Lund. O desenvolvimento do filme centra-se sobre o conflito de Rick, nas palavras de um personagem, "o amor e a virtude": Rick deve escolher entre sua amada Ilsa e fazer a coisa certa. Seu dilema é ajudar ou não Ilsa a escapar de Casablanca com seu marido Victor Lazlo, um dos líderes da resistência Tcheca, de modo que ele possa continuar sua luta contra os nazistas.





 

 

Considerado como um dos maiores filmes da história do cinema americano, ganhou vários Oscar da Academia, incluindo o de melhor filme em 1943. Casablanca teve uma grande estréia, mas não espetacular; entretanto ganhou popularidade com o passar do tempo e esteve sempre nas listas dos dez melhores filmes. A crítica elogiou a performance carismática de Bogart e Bergman e a química entre eles, junto à profundidade das caracterizações, a intensidade da direção , a sagacidade do roteiro e o impacto emocional do trabalho como um todo.

 

Paris, 1830. Esse é o cenário para "O Boulvevard do Crime" (Les Enfants du Paradis), nosso segundo filme do post. Uma produção francesa de 1945 dirigida pelo Cineasta Marcel Carné. Tem como cenário central o Boulevard du Temple, que é o local dos teatros, dos cabarés e da vida boêmia da capital francesa. É nele que desenrola o tumultuado triângulo amoroso formado pela atriz Garance (Arletty), o ator Fréderick Lemaitre (Pierre Brasseur) e o mímico Baptiste (Jean-Louis Barrault). Em 1997, O Boulevard do Crime foi eleito o maior filme francês do século XX, em votação que reuniu críticos, cineastas, atores e intelectuais franceses. Nada mais justo, pois é um grandioso filme e recentemente ganhou uma versão restaurada. Marcel Carné (1909-1996) foi um dos expoentes do realismo poético, principal corrente estética do cinema francês nas décadas de 30 e 40. Nesse período, em colaboração com o poeta Jacques Prévert, realizou grandes obras-primas, como Cais das Sombras, Trágico Amanhecer e O Boulevard do Crime. 

 





São, de fato, filmes inesquecíveis; sempre que possível, é bom tornar a assisti-los... Espero que tenham gostado!!!