terça-feira, 21 de agosto de 2012

Portugal: Lisboa, Porto, Poesia & Fernando Pessoa

Olá! Trago aqui uma coletânea de poesias de Fernando Pessoa, exímio poeta português, unida a uma seleção de imagens de Portugal, procurando entrelaçar literatura e poesia às belezas naturais, turísticas e arquitetônicas deste belo lugar. A espero que lhes agrade esta "fusão texto-imagem", que se assemelha à realizada em postagens anteriores...
Para quem quiser saber mais a respeito deste poeta, acesse a biografia dele aqui.
Como a obra deste poeta está em domínio público, você poderá acessar as Poesias Inéditas de Fernando Pessoa, no site "Domínio Público", clicando no link.


Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.


O poeta é um fingidor. 
Finge tão completamente 
Que chega a fingir que é dor 
A dor que deveras sente. 
E os que lêem o que escreve, 
Na dor lida sentem bem, 
Não as duas que ele teve, 
Mas só a que eles não têm. 
E assim nas calhas de roda 
Gira, a entreter a razão, 
Esse comboio de corda 
Que se chama o coração. 



Eu amo tudo o que foi, 
Tudo o que já não é, 
A dor que já me não dói, 
A antiga e errônea fé, 
O ontem que dor deixou, 
O que deixou alegria 
Só porque foi, e voou 
E hoje é já outro dia. 


Tenho tanto sentimento 
Que é freqüente persuadir-me 
De que sou sentimental, 
Mas reconheço, ao medir-me, 
Que tudo isso é pensamento, 
Que não senti afinal. 
Temos, todos que vivemos, 
Uma vida que é vivida 
E outra vida que é pensada, 
E a única vida que temos 
É essa que é dividida 
Entre a verdadeira e a errada. 
Qual porém é a verdadeira 
E qual errada, ninguém 
Nos saberá explicar; 
E vivemos de maneira 
Que a vida que a gente tem 
É a que tem que pensar. 


Flor que não dura 
Mais do que a sombra dum momento 
Tua frescura 
Persiste no meu pensamento. 
Não te perdi 
No que sou eu, 
Só nunca mais, ó flor, te vi 
Onde não sou senão a terra e o céu. 


Olho o Tejo, e de tal arte 
Que me esquece olhar olhando, 
E súbito isto me bate 
De encontro ao devaneando — 
O que é sério, e correr? 
O que é está-lo eu a ver? 
Sinto de repente pouco, 
Vácuo, o momento, o lugar. 
Tudo de repente é oco — 
Mesmo o meu estar a pensar. 
Tudo — eu e o mundo em redor — 
Fica mais que exterior. 
Perde tudo o ser, ficar, 
E do pensar se me some. 
Fico sem poder ligar 
Ser, idéia, alma de nome 
A mim, à terra e aos céus... 
E súbito encontro Deus. 


Sopra o vento, sopra o vento, 
Sopra alto o vento lá fora; 
Mas também meu pensamento 
Tem um vento que o devora. 
Há uma íntima intenção 
Que tumultua em meu ser 
E faz do meu coração 
O que um vento quer varrer; 
Não sei se há ramos deitados 
Abaixo no temporal, 
Se pés do chão levantados 
Num sopro onde tudo é igual. 
Dos ramos que ali caíram 
Sei só que há mágoas e dores 
Destinadas a não ser 
Mais que um desfolhar de flores. 


Grandes mistérios habitam 
O limiar do meu ser, 
O limiar onde hesitam 
Grandes pássaros que fitam 
Meu transpor tardo de os ver. 
São aves cheias de abismo, 
Como nos sonhos as há. 
Hesito se sondo e cismo, 
E à minha alma é cataclismo 
O limiar onde está. 
Então desperto do sonho 
E sou alegre da luz, 
Inda que em dia tristonho; 
Porque o limiar é medonho 
E todo passo é uma cruz. 


A minha vida é um barco abandonado 
Infiel, no ermo porto, ao seu destino. 
Por que não ergue ferro e segue o atino 
De navegar, casado com o seu fado ? 
Ah! falta quem o lance ao mar, e alado 
Torne seu vulto em velas; peregrino 
Frescor de afastamento, no divino 
Amplexo da manhã, puro e salgado. 
Morto corpo da ação sem vontade 
Que o viva, vulto estéril de viver, 
Boiando à tona inútil da saudade. 
Os limos esverdeiam tua quilha, 
O vento embala-te sem te mover, 
E é para além do mar a ansiada Ilha.


Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços 
E chama-me teu filho. 
Eu sou um rei que voluntariamente abandonei 
O meu trono de sonhos e cansaços. 
Minha espada, pesada a braços lassos, 
Em mão viris e calmas entreguei; 
E meu cetro e coroa — eu os deixei 
Na antecâmara, feitos em pedaços 
Minha cota de malha, tão inútil, 
Minhas esporas de um tinir tão fútil, 
Deixei-as pela fria escadaria. 
Despi a realeza, corpo e alma, 
E regressei à noite antiga e calma 
Como a paisagem ao morrer do dia.


A morte chega cedo, 
Pois breve é toda vida 
O instante é o arremedo 
De uma coisa perdida. 
O amor foi começado, 
O ideal não acabou, 
E quem tenha alcançado 
Não sabe o que alcançou. 
E tudo isto a morte 
Risca por não estar certo 
No caderno da sorte 
Que Deus deixou aberto. 

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